Proteínas usadas por vírus para infectar praga de lavouras de soja
Quase dez anos após o sequenciamento do genoma de um vírus que causa doenças em insetos, um grupo de pesquisadores identificou as proteínas produzidas por esse microrganismo, o Anticarsia gemmatalis múltiplo nucleopoliedrovírus (AgMNPV), em suas duas formas — ou fenótipos — assumidas durante o ciclo viral. A identificação dessas proteínas pode ajudar a complementar o entendimento que os pesquisadores tinham do vírus, pois revela quais dos seus genes estão realmente ativos. Além disso, entender os mecanismos pelos quais essas proteínas interagem com o organismo dos insetos infectados poderá auxiliar pesquisadores a desenvolver novas estratégias para o controle biológico da principal praga das culturas de soja no Brasil, a lagarta-da-soja, cujo nome científico, Anticarsia gemmatalis, é usado para denominar o vírus.
A capacidade de formar dois tipos de estruturas é rara e típica dessa família de vírus, os baculovírus. A primeira estrutura é responsável por manter o vírus no ambiente tempo suficiente para que seja ingerido pela lagarta. A partir daí, ele se desloca para o intestino do inseto e, dentro das células dessa região, produz a segunda forma capaz de infectar todos os tecidos do bicho. Essas características o tornam mais eficaz que outros vírus no ataque à lagarta-da-soja, de modo que, há anos, o AgMNPV tem sido usado em lavouras como um agente de controle biológico específico contra ela.
Por meio de diferentes tecnologias de espectrometria de massa, disponíveis no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas, São Paulo, o grupo, que inclui pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília e do Laboratório de Virologia de Insetos da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, pôde identificar proteínas já conhecidas e também outras 13 proteínas inéditas, todas produzidas pelo vírus nas duas estruturas.
Cada proteína tem um papel específico, auxiliando o AgMNPV em cada etapa do processo de infecção. Segundo a bióloga Carla Torres Braconi, autora principal do estudo, cujos resultados foram publicados na edição de janeiro da revista Journal of General Virology, algumas das proteínas identificadas interferem na resposta celular da lagarta diante da infecção. Outras estão ligadas ao processo de metamorfose do inseto. “Essas proteínas forçam a lagarta a continuar no estágio de alimentação, impedindo-a de formar casulo e se transformar em borboleta”, conta. “Com isso, a lagarta acaba se expondo mais a predadores, como pássaros e insetos maiores”, explica Carla, que foi bolsista de doutorado da FAPESP sob orientação do virologista Paolo Zanotto, da USP.
Algumas proteínas desempenham um papel ainda mais estratégico. As chamadas antiapoptóticas anulam o mecanismo de morte programada das células infectadas. “Ao penetrar o organismo da lagarta, o baculovírus se instala nas células, que automaticamente acionam esse mecanismo de autodestruição”, explica a pesquisadora. “Mas o vírus carrega proteínas que desativam esse sistema.” A partir de então, ele pode se replicar livremente, completando seu ciclo viral. Essa infecção chega a tal ponto que qualquer atrito externo sobre a lagarta— como o impacto das gotas da chuva, por exemplo — é capaz de romper sua cutícula, a armadura que a envolve. A hospedeira, então, morre e o vírus volta a ser liberado no ar, onde permanece até ser ingerido por outra lagarta, repetindo o ciclo.
Fonte - Revista Pesquisa FAPESP
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